Tem algum tempero no seu sanduba de Cayman?
Dr. FroiData (“DFD”) estava conversando com seu antigo paciente, tornado querido sócio, Dr. CreForE (Credit For Equity - “CFE”) sobre um aspecto interessante que chamou atenção deles nos últimos meses: a relação de USD/BRL na solução do sanduba de Cayman.
CFE: Mestre, com seus muitos méritos e alguns contras, esse maravilhoso snack internacional, na maioria dos casos, não destacou que o câmbio adiciona risco na relação da conversão das classes de ações e suas respectivas proteções.
DFD: Interessante. E como isso acontece, especificamente, ícone?
CFE: Vivendo o sempre difícil processo de levantamento de capital, empreendedores focavam na relação entre tamanho do cheque e o seu custo (diluição do equity). Mas como temos falado ultimamente, poucos se atentaram aos ajustes derivados dos termos de governança (principalmente o liquidation preference - 1,2) para entender o real custo do investimento. Passados anos, estamos percebendo que uma quantidade ainda menor (inclusive a gente) se atentou ao USD implícito nos termos.
DFD: Peraí que a ficha está caindo. Se você tem uma empresa que seu faturamento está em reais (BRL), e você tem um investimento de equity marcado nas ações preferenciais (PNs) em USD, seria uma dinâmica de risco parecida quando você tem uma dívida em USD correndo versus sua receita em BRL? A dívida vai machucando mais a sua capacidade de pagamento se a relação USD/BRL for negativa (ou seja, com USD se apreciando) e no caso do equity o investimento das PNs vai amassando ainda mais as ações juniores (ONs, principalmente).
CFE: Precisamente, DFD. Agora vamos ver como tem sido a relação USD/BRL desde a janela de farra (2018-2022) do “equity”?
DFD: Vamos pensar em um caso concreto então. Assumindo a hipótese de um levantamento de capital em 2019, que está buscando algum tipo de capitalização agora. Se eles têm uma preferência de liquidação de USD30M em alguma PN, antes eles tinham a relação de 4,0304 (logo, BRL121M) para contabilizar esse senioridade antes das outras classes de ações juniores. Agora, com a relação de 5,6605, a mesma startup tem que contabilizar BRL170M (confirmando os 40% ali de cima da tabela).
CFE: Se estivesse tudo indo bem, um crescimento composto da receita operacional líquida de 6% aa durante o período teria compensado a relação da USD/BRL, ceteris paribus. Como não temos nada de constante com a época da janela da farra, essa variável está com um peso adicional na marcação a mercado das estruturas de capital das startups.
DFD: Pensando contigo, acho que essa exposição tem geralmente um valor esperado negativo contra o USD, segundo a famosa teoria do Dollar Smile. Mas o mais importante é que fundamentalmente esse deveria ser um risco dos investidores, e não da empresa.
CFE: Acredito que seja esse o principal ponto, DFD. O investidor consegue um melhor hedge para esse tipo de exposição (dependendo de quanto quer do risco de duration) do que a empresa. Na verdade, a startup fica em uma posição mais precária, porque não consegue servir esses montantes com caixa, então a variável fica dependente da performance do equity. Esse deriva da velocidade de crescimento, aspectos fundamentais do negócio, além do contexto de mercado, melhor sentido pela expansão/contração de múltiplos.
DFD: Realmente! Me lembro da época (até 2008) que o mercado tinha a impressão que dívida em USD era no brainer, dado a apreciação constante do BRL. Quando o mercado virou, o descasamento do caixa gerado em BRL para pagar a dívida em USD machucou várias empresas.
CFE: Verdade, DFD. Acho que vamos escolher um tempero mais abrasileirado para o nosso sanduba de Cayman. Tipo um BRL na base de dendê. O que acha?
DFD: Considero ser esse o melhor caminho, mestre CFE. O tão esperado investimento em USD, convertido para BRL, que servirá de marcação para a contabilização da estrutura de capital. Mesma coisa para termos de proteção derivados disso. Para ser claro: liquidation preference sem ajuste de CDI, inflação, USD etc. Afinal de contas, isso não é dívida, certo (ou será que é)? E o investidor vai saber precificar isso na hora de fazer o seu respectivo cheque… ou será que não?